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20 de Abril de 2024

Como ficará o tratamento com Cannabis Medicinal após a publicação da Resolução 2.324/22 do CFM?

Publicado por Pryscila Droppa
há 2 anos


No último dia 14 de outubro de 2022, a Comunidade Médica Canábica foi surpreendida com a publicação da Resolução nº 2.324/2022 do Conselho Federal de Medicina, a qual não se deteve só a restrição da prescrição de canabidiol somente para o tratamento de epilepsias refratárias da criança e do adolescente na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa, mas também vedou os médicos que ministrassem palestras e cursos sobre uso do canabidiol e/ou produtos derivados de Cannabis fora do ambiente científico, além de proibir a divulgação publicitária sobre o tema.

Tal situação causou um reflexo negativo imediato dos médicos e dos milhares de pacientes, e seus familiares, que fazem uso da Cannabis medicinal como tratamento e não tiveram sua patologia contemplada nessa resolução.

Diante da avalanche de manifestações contrárias à normativa do CFM publicadas em inúmeras redes sociais e nas mídias como um todo, ocorreram, na sequência, diversas reuniões: de associações de cannabis medicinal, de advogados de médicos, advogados militantes da causa do direito à saúde e do direito canábico, todos unidos para estudar a causa e traçar a melhor estratégia jurídica para provocar o Poder Judiciário e trazer de volta a segurança jurídica para os médicos prescritores e o sossego para os pacientes.

Após esse grande debate técnico, com o objetivo de trazer tranquilidade para a comunidade médica canábica e para os pacientes e familiares nesse período de instabilidade, algumas considerações jurídicas preliminares foram ressaltadas, são elas:

  • Primeiro, a Resolução nº 2.324/2022 é inconstitucional diante do afrontamento de alguns dispositivos do art. , CF/1988, dentre eles:-Inciso XIII, menciona que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, já no inciso XIV, onde diz que é assegurado a todos o acesso à informação. Observa-se que essa Resolução do CFM viola o livre exercício da profissão médica e a liberdade de expressão, quando limita quais locais os médicos poderão ministrar cursos e palestras sobre o tema, respectivamente.
  • Segundo, do ponto de vista do Código de Ética Médica, a Resolução fere a autonomia médica, quando limita a atividade do médico na escolha do melhor tratamento para seu paciente. O próprio Código de Ética Médica estabelece como Princípio Fundamental, Capítulo I, os seguintes incisos: VII - O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente; e VIII – O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.
  • Terceiro, o papel do Conselho Federal de Medicina e sua competência foram extrapoladas ao editar essa Resolução, tendo em vista que o CFM não tem competência para aprovar ou não medicamentos, muito menos sua indicação clínica, papel esse que cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária -ANVISA, a qual já se manifestou afirmando que manterá atual regulamentação para fins de autorização dos produtos de cannabis para fins medicinais, independente da Resolução do CFM. Diante disso, observa-se a intervenção direta do CFM nas prescrições médicas, como se tivesse esse poder como conselho de classe.

As atribuições do CFM, definidas pela Lei nº 3.268/57, dentre outras, são: supervisionar a ética médica, julgar e disciplinar a classe médica, visando o perfeito ato ético e o bom conceito da profissão.

Diante dessa análise, procura-se nesse momento resguardar o tratamento com cannabis de milhares de pacientes, evitar que sejam interrompidos abruptamente, e, ainda, trazer segurança jurídica para que os médicos possam prescrever sem correr o risco de serem punidos pelo Conselho Regional de seu estado.

Vale lembrar ainda que a importação e a comercialização dos produtos à base de Cannabis sp permanecem autorizadas pela ANVISA, logo a venda no Brasil não foi proibida, pelo contrário, cada vez mais vemos produtos recebendo autorizações sanitárias para serem comercializados no Brasil, inclusive em farmácias.

Nesse contexto, por cautela, sugere-se que os médicos, nesse momento instável, evitem de publicar em suas redes sociais sobre o tratamento de cannabis medicinal e suas aplicações clínicas.

Ainda, recomenda-se ao médico que na prática clínica com canabinóides aplique o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), se ainda não o faz, com as seguintes finalidades: I- de se ter o registro do esclarecimento, por parte do médico, sobre o procedimento, os riscos de possíveis complicações, suas consequências, os benefícios, malefícios e as alternativas de tratamento ou experimentação terapêutica a que o paciente será submetido; e II- a autorização do paciente e/ou do representante legal para a realização do procedimento.

Além do TCLE, ressalta-se também a importância de um laudo bem elaborado, contendo o máximo de detalhes sobre o quadro clínico do paciente, juntando exames, se possível, evoluções clínicas, intervenções já realizadas etc. e citar artigos científicos que sustentem ainda mais a escolha pelo tratamento com cannabis medicinal.

Por fim, em caso de dúvidas sobre como agir nessa situação, orienta-se que os médicos consultem o jurídico de sua confiança para mais esclarecimentos.

Esses foram alguns dos pontos discutidos com relação aos desdobramentos após a publicação da Resolução do CFM. O desenrolar dessa situação ainda é incerto, como ficará a prática médica e quais serão as estratégias para provocar o Poder Judiciário ainda não se sabe. Contudo, o momento pede calma, deve-se confiar na união das forças de cada paciente e seus familiares, somados aos embasamentos técnicos corretos para se vencer mais essa batalha em busca do tão sonhado momento em que todos os órgãos, instituições e políticos já terão compreendido a importância da legalização plena do uso da Cannabis medicinal no Brasil.

Dra.Pryscila Droppa

Advogada, especialista em direito à saúde e direito regulatório; CEO do escritório de advocacia- Pryscila Droppa, Advocacia & Saúde, com atuação em todo Brasil. Possui atuação há mais de 3 anos com o direito e cannabis, com atuação tanto com pacientes e empresas do setor canábico.Farmacêutica e bioquímica, há mais de 15 asnos, com especialização em Saúde Pública. Autodidata do Sistema Endocanabinóide desde que sua filha, do espectro autista, passou a fazer uso do óleo da cannabis medicinal. Fundadora do instagram @cannabis_in_law

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12 Comentários

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Daí me pergunto!? Será que os médicos que prescrevem tal medicamento teem a obrigação de comprovar que seu paciente se beneficia com a substância? Pois sabe-se que não é para todos que funciona. Será que os médicos que defendem tal medicamento se preocupam em provar que o medicamento é bom para a maioria ou vão continuar baseando-se nas exceções? Será que esses médicos são isentos ou se beneficiam financeiramente com o mercado desta droga? O Hospital São Vicente, na Colômbia, que promove estudos extensos sobre o uso da Canabis tem sérias ressalvas sobre a utilização da Canabis. Já sabe-se também que o uso medicinal de tal medicamento, estimula o paciente a procurar a forma tradicional da Canabis, o fumo, por ser mais barato e de mais fácil aquisição, podendo o próprio paciente produzir, o que deixa o mesmo suscetível aos inúmeros efeitos colaterais negativos do uso prolongado da Canabis.
Parece que tem muitos médicos usando pacientes como cobaias para apoiar sua causa.
E antes que algum usuário ache que sou um "careta" e que por isso dou tal declaração, informo que utilizei esta substância por muitos anos e não recomendo a ninguém, é um atraso de vida.
Parece que algumas pessoas se beneficiam do uso medicinal, mas não se vê resoluções de entidades sérias sobre o assunto. continuar lendo

Concordo com vc. continuar lendo

meu caro, se o medico possui ou não tais capacidades não é o questionado aqui, mas a forma ARBITRARIA e SEM COMPETÊNCIA LEGAL para tal resolução. Cabe ressaltar que não sou médica e nem paciente usuária. Mas concordo na liberação do uso legal da planta. continuar lendo

Gostei de suas "colocações" a respeito do assunto, senhor Derli Júnior. Tenho uma amiga cujo neto já toma a tempos esse tal medicamento, para autismo (grave), orientada por médicos, cujas consultas foram pagas com alto valor, mas até o momento não surtiu efeito algum. PS: Sem contar o preço que ela paga por tal medicamento. continuar lendo

Engraçado não é.... para o COVID, era proibido o uso de medicamentos que posteriormente se confirmaram e Países inteiros a validaram, mas no Brasil, tornou-se proibido, apenas porquê o Presidente Bolsonaro também a defendia. Agora, para a medicação proveniente da droga, não questiono aqui a validade da medicação, já se defende o direito do médico em medicar o seu paciente. Como o mesmo direito de um médico é proibido em um tratamento, mas em outro se torna defendido. Se verifica aqui a prova do ilícito. continuar lendo

Seus argumentos retirados do contexto e objetivos da lei para defender a LIBERAÇÃO DO USO DA MACONHA (CANABIS) não se sustentam.
A proibição da Resolução 2.324/22 do CFM LIMITA o uso da MACONHA (CANABIS) apenas às doenças determinadas em lei, proibindo a Prescrição Indiscriminada e Propaganda da Maconha (Canabis) fora do ambiente médico, científico. Pois prescrever indiscriminadamente o uso da Maconha (Canabis) e fazer propaganda fora do ambiente médico científico estaria em desacordo com a Legislação das Drogas Lei 11343.

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
IV - vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: (Vide ADI nº 4.274)
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.
§ 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28. continuar lendo

Não existe medicamento perfeito. Nem chá de erva doce. O que serve para um, não serve para outro com a mesma patologia. Os efeitos colaterais também variam de organismo para organismo.
O café que faz bem para um, não faz bem para outro. Uns perdem o sono se tomar café a noite. Outros necessitam de café para dormir.
Uns se viciam facilmente em álcool outros não.
Por-que com o canabidiol seria diferente? continuar lendo